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Tinnitus | Vencedor do Festival de Gramado mostra a força do cinema brasileiro

Dia 19 de junho, segunda-feira passada, foi comemorado o Dia do Cinema Brasileiro, data muito importante que impulsiona uma maior visualização das obras audiovisuais nacionais, que passaram por muitas sabotagens – desde a hipervalorização de filmes estrangeiros, estereótipos insistentes por parte do público de massa à falta de incentivos financeiros para a produção. “Tinnituschegou simbolicamente na mesma semana da celebração do Dia do Cinema Brasileiro, estreando nos cinemas a partir desta quinta-feira (22).

Tinnitus” é um drama dirigido por Gregorio Graziosi (“Obra”), que conta a história de Marina Lenk, interpretada pela atriz luso-brasileira Joana De Verona (“Santos Dumont”), uma experiente atleta de Saltos Ornamentais, que despenca da plataforma durante uma apresentação após uma crise aguda de tinnitus. A condição é uma doença que provoca constantes zumbidos na parte interna do cérebro, podendo afetar uma orelha ou as duas. Afastada do esporte que ama, Marina troca o perigoso e desafiador esporte por uma pacata vida no aquário, onde trabalha fantasiada de sereia. Porém, a ex-atleta não larga sua paixão pelos saltos e tentará conciliar os dois mundos.

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Cartaz de “Tinnitus”. (Foto: Reprodução/ Imovision)

O restante do elenco de “Tinnitus” é composto por Indira Nascimento (novela “Travessia”), Alli Willow (“Bacurau”) e Antônio Pitanga (“Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios”). O filme da Imovision fez sua estreia mundial no 56º Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary, na mostra competitiva Proxima, e participou das seleções oficiais do 31º Festival de Biarritz Amérique Latine, da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e do 50º Festival de Cinema de Gramado, onde foi premiado nas categorias Melhor Fotografia, Melhor Montagem e Melhor Direção de Arte.

Dado as devidas apresentações, a Nerds da Galáxia foi convidada pela Imovision em duas ocasiões para conferir o filme “Tinnitus“. Vale a pena conferir o filme? Veja abaixo nossa crítica sem spoilers.

NotaEstá é uma crítica sem spoilers, a fim de não estragar sua experiência em assistir ao filme. A crítica consiste em uma opinião do escritor e não deve ser considerada absoluta ou uma resposta definitiva para a sua dúvida de assistir ao filme ou não. Sempre priorize ver para estimular o trabalho dos realizadoresAs informações contidas na crítica já foram apresentadas em sinopses e trailers.

Crítica de ‘Tinnitus’

Gostaria, primeiramente, de destacar o incrível potencial criativo que o cinema brasileiro pode realizar em suas obras cinematográficas. “Tinnitus” fisga o cinéfilo pela curiosidade, ao abordar temas incomuns: os desafios no enfrentamento de uma condição auditiva e o paralelo com a vida de uma esportista, especialmente diante de uma modalidade olímpica meio distante do imaginário popular brasileiro – os Saltos Ornamentais.

Claro que com a narrativa de distorção auditiva, o trabalho da mixagem de som e da trilha sonora em conjunto, liderado por David Boulter, é impecável, cumprindo a função de desconforto ao telespectador nas salas de cinema e uma maior empatia, literalmente, com a protagonista Marina, com muitas das vezes nós, espectadores, sentindo na pele – na verdade, nos ouvidos (risos) – a sensação angustiante na qual a personagem de Joana de Verona lida frequentemente. Até aí, um ponto enormemente positivo, mas que era um pré-requisito, convenhamos.

Essa paixão pela água e pelo mergulho, possuído por Marina, também resulta num trabalho extraordinário de fotografia e direção de arte, muito focado em mostrar a calmaria do fundo do mar e sua beleza, além de brincar com os jogos precisos de enquadramento das paisagens urbanas de São Paulo e edições de fotos e montagens que quebram, esteticamente, o lado “real” da narrativa e mostra algo mais lúdico e impressionante que domina as coreografias de salto e a estranheza do Tinnitus. Não é à toa que “Tinnitus” foi agraciado no Festival de Gramado nas categorias de fotografia, direção de arte (Carol Ozzi) e montagem (Eduardo Serrano), e é o fator mais surpreendente, cativante e rico de “Tinnitus“.

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Cena de “Tinnitus”. (Foto: Reprodução/ Imovision)

Falando em termos mais criativos, a narrativa desenhada por Gregório apresenta uma linearidade muito boa, com uma sequência de eventos coesa e linhas de diálogos e cenas que complementam entre si e até preparam bastante o terreno do que virá ao decorrer do longa. No entanto, a idealização de algumas cenas julgo que não foram totalmente necessárias, que poderiam abrir espaço para uma maior exploração e aprofundamento de outras relações promissoras que vimos em “Tinnitus“. Como exemplo, destaco que não havia necessidade de encaixar três cenas de sexo, sendo duas entre Marina e seu namorado médico, Dr. Santos (André Guerreiro).

A ideia de cada personagem em “Tinnitus” foi bem-cumprida, assim como cada atuação dos seus respectivos atores, faltando somente uma “acalmada” no processo de união desses elementos, principalmente entorno de Teresa (Alli Willow), cuja coadjuvante foi quase que jogada na maioria das ocasiões, como em seu relacionamento com Marina, de forma muito rápida; e em sua própria inserção na história, como paciente do Dr. Santos – mesmo sabendo da importância dessas consultas mais para frente, seria menos confuso, inicialmente, se a personagem fosse introduzida dentro do próprio ramo esportivo, seja com a treinadora ou outro desfecho. A própria relação Teresa-Dr. Santos não fundiu bem, deixando muitas dúvidas e incertezas.

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Cena de “Tinnitus”. (Foto: Reprodução/ Imovision)

Tanto que embora o roteiro seja estruturado cronologicamente e sequencialmente, há um contraponto muito presente no meio para o final de “Tinnitus” em relação a cenas muito abertas, que não chegam a elucidar o que aconteceu de fato previamente, promovendo essa sensação já descrita acima: uma rapidez não muito agradável, que desperta uma sensação de mal-preenchimento narrativo.

Geralmente, esse recurso menos direto dos eventos é interessante para a utilização nas cenas mais “óbvias”, servindo para encurtar a duração do filme, e no auxílio reflexivo, uma vez que você estimula o telespectador na imersão do filme. Em “Tinnitus“, tal arquitetura pareceu mal-desenvolvida, como uma espécie de vários cortes secos que a edição teve que realizar para uma duração mais estrategicamente favorável.

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Cena de “Tinnitus”. (Foto: Reprodução/ Imovision)

Por último, os personagens e suas importâncias foram bem traçadas no filme, mesmo que a pressa tenha atrapalhado diretamente numa maior conclusão e enriquecimento na maioria dos personagens, com uma pequena exceção de Marina (Joana de Verona) e Luísa (Indira Nascimento) – porventura, as principais de “Tinnitus“. É interessante enxergar um grau controlador e até de eventual interesse acadêmico de Santos em sua relação com a Marina, bem como os problemas que o acidente de Marina causou em seu envolvimento com Luísa, que se sentiu lesada pela distorção da imprensa e da mídia perante os Saltos Ornamentais, consequentemente “manchando” sua carreira e sua profissão que mais ama.

O início dessas desestabilizações foram bastante promissoras, perdendo um pouco o rumo no andamento. Enquanto a conclusão entre Dr. Santos e Marina não foi definitiva, a relação entre as atletas olímpicas ficou batendo na mesma tecla diversas vezes, sem evoluir os conflitos e sem uma cena de “lavação de roupa”, que poderia impulsionar uma cena dramaticamente necessária para o filme e para o papel das atrizes.

Os casos de Teresa, Inácio (Antônio Pitanga) e Sônia (Thaia Perez) vão para um lado mais negativo, sendo até confuso em determinadas situações seus direcionamentos: Teresa é fã de Marina e cumpre o papel de amparo à atleta, mas uma confusa aproximação e até flerte com Dr. Santos atrapalha sua construção e é mais deixada de lado; Inácio chega como um senhor desorientado com o tinnitus, porém segue como uma bússola moral e lógica à Marina em relação ao transtorno; enquanto Sônia, que é treinadora do esporte, desaparece em muitas cenas justamente envolvendo o treino de Saltos Ornamentais.

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Cena de “Tinnitus”. (Foto: Reprodução/ Imovision)

Conclusão

Tinnitus” é muito interessante e fora da curva em termos técnicos, apresentando um espetáculo de direção de arte, fotografia e mixagem de som, que realçou a dinâmica do embate solo de Marina com o Tinnitus; também em termos narrativos, tanto na ideia de uma inspiração brasileira de “O Som do Silêncio” quanto no background da paixão e a vida perigosa de uma atleta olímpica, servindo de um contraponto natural de paralelos muito opostos entre si, mostrando uma linda mensagem de perseguir seus sonhos e não deixar qualquer condição física ou mental definir seu rumo e sua jornada de vida.

Apesar de personagens bem pensados – e convincentemente atuados – na narrativa e uma sequência de acontecimentos respeitosa e natural, “Tinnitus” falha em determinadas cenas cumprindo o mesmo propósito de outras, deixando de lado outros elementos que ficaram mais “incompletos”; e na rapidez mais assídua na metade para o final do longa-metragem, sobretudo nas relações entre os personagens em si, sem desfechos mais nítidos.

Tinnitus

7

Marina é uma ex-mergulhadora que sofre de um terrível zumbido nos ouvidos. Após um acidente sofrido nas últimas Olimpíadas, ela decide voltar a competir na esperança de conquistar uma medalha olímpica, colocando sua vida em risco

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