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The Artful Escape | Review

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O review de hoje é um relato pessoal, consumido por um sentimento devastador de mudança. Tocado profundamente pelo indie publicado pela Annapurna, indicado à várias categorias no The Game Awards de 2021, hoje escrevo sobre The Artful Escape, um jogo cuja proposta está na transformação pessoal do jogador.

A Annapurna tem se estabelecido ao longo dos últimos anos como uma publicadora analógica a jogos com vieses filosóficos e sentimentais. As polêmicas e situações constrangedoras instauradas em Twelve Minutes, ou até mesmo a curtíssima experiência arrebatadora da superação em um relacionamento conturbado de Florence são grandes exemplos do que bons jogos podem fazer com a nossa cabeça, e com os nossos sentimentos.

Entretanto, The Artful Escape foi muito além do que qualquer expectativa que eu poderia ter sobre sua proposta inicial. Ao pressionar o botão de “Novo Jogo”, eu era uma pessoa totalmente diferente da que eu sinto que me tornei depois de 4 horas, quando os créditos começaram a rolar na tela.

CALYPSO

Nossa jornada começa em uma pequena cidade chamada Calypso, onde interpretamos o personagem Francis Vendetti. Francis é sobrinho de Johnson Vendetti, um músico folk extremamente famoso e venerado na cidade (e que lembra muito o Bob Dylan. Obrigado, Cardoso e Márcia). Por esse motivo, as pessoas esperavam que Francis seguisse o mesmo caminho de seu tio, preenchendo o espaço deixado por ele quando morreu.

Johnson

Apesar de no começo Francis se esforçar para interpretar um roteiro que já estava escrito sobre sua vida, o jogo nos mergulha rapidamente no coração de um jovem que não estava contente com a obrigação de ser alguém que todo mundo queria que ele fosse. É aqui que começa o trabalho árduo de identificação entre Francis e o jogador e a viagem psicodélica pelo autoconhecimento.

francis

O CÓSMICO EXTRAORDINÁRIO

“Um pulmão cósmico, um teatro roubado e uma plateia lotada por seres celestiais te esperam do outro lado com a promessa dos seus sonhos. Você titubeia, então a figura incompreensível na sua frente solta o que talvez seja a pergunta mais importante da sua vida… “Francis Vendetti, qual será o seu nome?”

qual sera seu nome

Acometido por boas epifanias e um tremendo desejo de ser alguém totalmente diferente, a reviravolta começa  quando Francis é convidado por uma figura senil e desconhecida para uma viagem psicodélica pelo espaço cósmico, buscando na infinidade do universo responder a perguntas como: “quem é você” ou “qual o seu verdadeiro eu”.

Quando questionado pela primeira vez no jogo sobre sua personalidade, você tem a oportunidade de assumir um novo nome, acompanhado de um bordão. Acredito que a maneira como foi perguntado, bem como o destaque na oportunidade de poder ser quem eu quisesse, fez com que “quem é você”, naquele momento, se tornasse uma das perguntas mais difíceis que eu tive que responder até hoje.

Lembro de ter passado bastante tempo me perguntando quem eu gostaria de ser, se me fosse dada essa oportunidade. Aquele momento foi tão palpável, que eu não gostaria só de ter, mas sim de poder ser uma escolha, e não só isso, uma escolha que fosse agradável. Poder escolher era bom demais. Eu finalmente tinha uma escolha, de ser quem eu quisesse, e interpretei isso da forma mais literal possível.

O que mais tocou meu coração foi o fato de que o momento que estou vivendo, hoje, como muitas outras pessoas, pode ser facilmente contraposto com a temática do jogo. Quanto mais velho ficamos, mais os caminhos parecem cercear as nossas possibilidades de escolha. Francis Vendetti é um músico folk, que na verdade luta com as expectativas impostas contra sua vontade pela maior parte das pessoas à sua volta, e que tem o sonho de ser um guitarrista trajado na ficção científica. Do outro lado da tela há um advogado, sentado na frente de um computador em um escritório, e que depois de anos de estudo e de trabalho, resolve virar a vida de cabeça para baixo e tentar trilhar um caminho no jornalismo. É tudo sobre a jornada até o topo.

O TOPO

topo

medo

Não existem atalhos, e acredito que The Artful Escape seja sobre isso (e não tá tudo bem). Todos nós temos uma Calypso que nos compele a atender expectativas alheias, seja através da música folk, ou daquele concurso público que seu primo passou e sua família faz questão de lembrar todo domingo no almoço.

Porém, toda a jornada que presenciamos de Francis Vendetti vagando pelo universo em busca de sua própria identidade é cristalinamente uma alegoria do que não é real, mas que pode tornar a ser, se conseguirmos reunir forças todos os dias para responder o que talvez seja a pergunta mais importante a ser respondida, não só no jogo, mas por toda a vida: “Quem você gostaria de ser?”

calypso

PERSONAGENS

Na presença de seres de aparência etérea, “esmerilhando” sua guitarra e conquistando a sua própria identidade, Francis vaga pelo espaço cósmico tentando resolver o conflito de sua personalidade ao lado de pessoas (e alienígenas) tão bem construídos, que a sinergia entre eles deixa escancarada uma das outras mensagens tão importantes que o jogo nos passa: quem não divide o palco fica perdido no espaço (não é bem assim, mas é quase isso).

aliens

Todavia, acredito que o destaque é merecido para duas das personagens mais importantes do jogo. A primeira, com quem dividimos momentos divertidos e emocionantes, é o Lightman, um ultra guitarrista senil responsável por agradar, como poucos conseguiram, a maior entidade cósmica existente com seus solos de guitarra, e que se encarrega de interpretar o papel da mentoria enquanto guia Francis pela vastidão do universo.

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O segundo lugar de destaque vai para Violleta, uma garota estilosa e de poucas palavras, que sempre aparece nos momentos certos, geralmente quando precisamos muito de ajuda. Pode ser facilmente comparada com um poço de vivência que está sempre alfinetando Francis com palavras de sabedoria – ou só com sarcasmo, mesmo. Gosta de atuar nas sombras, proporcionando os maiores shows de projeção de luzes que elevam a experiência psicodélica de The Artful Escape a níveis inimagináveis. Falando em experiência psicodélica, vamos falar “um pouco” no próximo tópico sobre os cenários e a trilha sonora do jogo.

espaconaves 1CENÁRIOS E TRILHA SONORA

Me faltam palavras para descrever o quão extraordinária é a experiência visual de The Artful Escape. Não passa nem perto de ser eufemismo dizer que eu faria qualquer coisa para tentar entender o que se passava na cabeça de Johnny Galvatron (desenvolvedor e produtor) quando imaginou todas aquelas coisas que eu estava vendo na televisão.

Contemplei biomas complexos e cheio de cores, lotados de seres zoo e antropomórficos exuberantes interagindo com tudo a sua volta. Se eu tivesse que arriscar comparar o ecossistema de The Artful Escape com alguma coisa, talvez fosse com uma mistura de biomas e seres vivos vindos diretamente das profundezas do universo de Star Wars, Guardiões da Galáxia, John Carter e qualquer outra bizarrice (no bom sentido) capaz de sair da mente humana.

Quanto a expressão “esmerilhar” a guitarra, como eu gostaria, nesse exato momento, de dar um caloroso abraço nos responsáveis pela localização em PT-BR desse jogo. Falemos agora sobre a trilha sonora de The Artful Escape:

Uma das primeiras coisas a se perceber durante o jogo é que pouquíssimos momentos são silenciosos. Os solos de guitarra de Francis e Lightman, quando entrelaçados com a companhia da potência orquestral, funcionam a cada acorde como interruptores ativando todos os componentes à sua volta. É como se Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band e Ziggy Stardust tivessem um filho e os padrinhos fossem Jimmy Hendrix e David Bowie. Aliás, acredito fortemente que David Bowie teria gostado muito de jogar The Artful Escape, e como músico, Johnny Galvatron deve ter ficado extremamente contente quando viu o resultado final de seu jogo. É uma obra de arte.

MECÂNICA DE JOGO

Deixei essa parte para o final, pois basicamente tudo o que você faz no jogo é andar, pular e “esmerilhar” a sua guitarra (eu gostei muito dessa expressão). A questão é que, como tudo dentro do jogo, até mesmo a simples mecânica consegue te envolver, a ponto de ficar segurando um botão te fazer sentir o melhor guitarrista do universo.

Em uma espécie de ápice em momentos específicos da odisseia, você deve seguir uma sequência de notas pré-estabelecidas, como se fosse uma espécie de Genius (aquele jogo em que você deve memorizar uma sequência de cores e as repetir, até errar). Nada de complicado nisso. Quanto à gameplay, tudo é feito para que você curta o máximo possível a experiência.

CONCLUSÃO

The Artful Escape é uma das melhores surpresas que tive. Sou suspeito por amar um bom indie, principalmente aqueles que não somente estão ali para divertir, mas para também provocar reflexões no jogador. O indie da Annapurna é indispensável para quem gosta de boa música, um visual extraordinário e uma mecânica simples para encostar no sofá e curtir uma viagem psicodélica. Ah, não se esqueça: não faça contato direto com Caravaggio.tas

 

DICA DA NERDS

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A Musical Story | Florence | Psychonauts 2

SIGA A NERDS DA GALÁXIA – Never Alone: Arctic Collection | Pocket Review

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The Artful Escape

9

Pontos Positivos
  • Trilha Sonora
  • Visuais psicodélicos
  • Temas emocionantes
  • Localização em PT-BR

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